Thursday, August 18, 2005

Sobre nós dois

*Sobre a mesa, luz de velas. A casa assim, à meia-luz, sempre me parece menos velha, menos cheia de cacarecos. E mesmo eu sou mais bonita à meia-luz, você deve concordar. A metade de mim que se ilumina pelas chamas parece até mais corada, mais alegre, porque se protege no meio-escuro e perde o medo.
Sobre a louça chinesa, seu prato predileto. Peixe, sal, alecrim. Batatas coradas pra acompanhar. Um conjunto perfeito de coisas tão simples; perfeito pelo aroma, perfeito pelo sabor, perfeito pela vontade. Lembra de como éramos no começo do namoro, quando você me atropelou de motocicleta? Você ainda noivava a outra quando me disse isso... que nós dois éramos um conjunto perfeito de coisas simples... perfeitos pelo nosso desejo, nosso gosto, nosso cheiro... eu acho que era disso que você falava quando ainda falava, não era?
Sobre a cama, pétalas de rosas vermelhas. Não ri, eu sou assim, você sabe disso. Eu sempre quis um amor de novela, um romance de filme, essas coisas. Minha memória é fotográfica, eu gosto de ter cenas bonitas de nós dois pra lembrar! Você até tentou me ensinar o lirismo quase etério da sutileza, do que não se pode pensar ou prever, mas eu acho que ainda prefiro assim, sabe? Como no cinema...
Sobre o ar, The Look of Love. Eu não gosto de bossa nova, só estou tocando isso por causa de você, viu?
Sobre meu corpo, flor de laranjeira e cetim. E nem adianta pensar debochado que essa é aquela camisola velha, eu quase morri de vergonha quando você percebeu que eu sempre usava a mesma nesses dias. Comprei hoje uma nova, fiquei muitos minutos olhando pra ela quando cheguei em casa, "como é bonita", eu pensei... sabe aquelas coisas tão bonitas que nem parecem que são minhas? Ela é assim, e é cor de rosa.
Tudo isso e eu aqui, falando sobre nós dois.
Falando e pensando e maldizendo o "enquanto você não vem".
Será o bilhar montado sobre a mesa? O copo cheio sobre o balcão? A juventude das outras sobre uma cama qualquer?
Eu sei. Você ainda não veio porque aqui em casa o tempo passa mais depressa... tão mais depressa, que o perfume já se evaporou no ar sem música. E até as velas terminaram de escorrer sobre os candelabros de cristal.