Monday, October 31, 2005

Quando a natureza socializa

Beaumont, Texas, 08/10/05
duas semanas depois de ser atingida pelo furacao Rita


*"Quando o dia da paz renascer, quando o sol da esperança brilhar, eu vou cantar
Quando o povo nas ruas sorrir, e a roseira de novo florir, eu vou cantar
Quando as cercas caírem no chão, quando as mesas se encherem de pão, eu vou cantar
Quando os muros que cercam os jardins, destruídos, então os jasmins vão perfumar" (Utopia, Ze Vicente)


**Nunca tinham ouvido falar desse tal Ze Vicente na vida. Alias, nunca souberam que havia gente no mundo preocupada com uma cerca que nao fosse a sua. Afinal, quem no mundo nao tem o que lhe e proprio pra se ocupar? Tem quem nao tenha nada?
E porque assim eles pensavam, era de fato que nao havia ninguem no mundo que usasse a madrugada pra calejar as maos na colheita, e que trabalhasse mesmo embaixo do sol a pino, nao porque nao se cansasse, mas porque nao ha motivo pra parar pro almoco quando nem almoco existe. Bastava que esses vagabundos trabalhassem e comeriam, oras, e assim esses homens cercaram seus quintais, mimaram seus filhos e estenderam bandeiras estreladas para vigiar seus jardins.
Foi quando veio a ventania. E nao bastava querer ficar na casa de madeira recem-pintada e madeira florida. E ja nao havia bandeira capaz de proteger a fonte e o balanco do quintal.
Naquele tempo faltou de tudo que nunca tinha faltado, e tudo o que antes fazia falta foi aquilo de que nem deu pra se lembrar. E, pela primeira vez, aqueles homens experimentaram uma comida que nao podiam chamar de sua, e dormiram acordados sob um teto de que nao puderam escolher a cor.
Entao, quando voltaram pra casa, cocaram as cabecas ao descobrirem, assustados, que havia mais gente por tras da cerca que caiu.