Wednesday, April 20, 2005

Vinte de abril

*E hoje. Hoje eu vou escrever pra voce.
E hoje que eu nao vou revisar as virgulas, as regencias e as crases. E hoje que eu nao vou apagar os cliches, quero todas as palavras, todas as palavras que chegarem, porque elas sao suas e eu quero da-las pra voce.
E hoje que eu vou tocar nossa musica, e eu vou cantar baixinho cada nota que te pede pra me levar de volta pro comeco.
E hoje que eu vou lembrar de cada "primeiro" que tivemos juntos. Do misterio antes, da tensao do meio e do abismo se abrindo a nossa frente depois, implorando que nos jogassemos, que dessemos um passo pro nada e vivessemos mais e mais e mais daquilo mesmo.
E hoje que eu vou me lamentar por voce ter preferido ficar pra tras. E hoje que eu vou lembrar que tive raiva e que tive medo, e nao vou esconder que eu sinto tanto, tanto, tanto por ter sido assim.
E hoje que eu nao vou pensar "que foi como tinha que ser". E hoje que nao vou lutar contra a saudade, e vou esperar que ela me aperte o peito e que me faca chorar, bem devargarzinho.
E no fim do dia, ao ver que voce nao me leu, vou voltar pra cama com a cara marrenta de quem nem liga pra voce.

Sunday, April 10, 2005

Vapor Barato

*Ela tinha cheiro de alfazema, ele de polvora queimada. E dia apos dia, deixavam que seu perfume se misturasse, embriagasse, calasse as palavras de ambos, num quarto de motel barato a beira do cais.
Cravar as unhas no corpo do americano alto, loiro, com cara de filme, era so menos divertido do que olha-lo com desrespeito e desdem ao fim das duas horas pagas. As 5 comecavam, as 7 terminavam. "Seu dinheiro nao paga o beijo de despedida", dizia ao homem que, atordoado, lhe chamava de querida em ingles.
E ele, ele lhe beijaria os pes e nao podia beijar seus labios. Restava-lhe beijar o corpo todo, e tocar-lhe a boca como numa adoracao sacra. Mordiscava aos poucos sua nuca para faze-la rir. 16 anos. Fazer-se sua necesidade assim, sem ao menos dizer uma palavra que ele entendesse?
E da janela viam os navios partirem, viam o mar, viam o sol sobre ele se por.
Uma so vez ele entrou no quarto e nao tirou o casaco verde, pesado das honras e da poeira que acumulava sobre si. O bilhete do vapor na mao. Segurou a menina assustada pelos ombros e levantou-a da cama em que, despida, por ele esperava. Aproximou o rosto dela do seu em um so golpe, acariciou-o com sua propria face. "Querida". Ela so podia entender sua respiracao cansada, os olhos lacrimosos; assustou-se por nunca ter visto a paixao de perto. Deu seu primeiro beijo desajeitado, um encosto sofrido de labios. "Querida".
Ele partiu rumo ao cais, a pele inflamada de obscecao, olho posto na janela por que ela se despedia chorando. Suicidou-se em metade. "Eu preciso esquece-la. Eu preciso". E juntou-se aos soldados que entravam no navio.
E depois daquela tarde, ela andava tao a flor da pele, que chorava ao ler os beijos escritos nas novelas de banca de jornal...

** Uma brincadeirinha: escute uma musica e escreva uma historia. Espero receber milhoes e milhoes de comentarios com essa campanha :P .

Saturday, April 09, 2005

Welcome to the world, darling...

*O que John Pope tem a ver com o papa Joao, aquele que morreu semana passada, alem do nome, e o fato do primeiro ter paricipado da cobertura jornalistica da morte do segundo. John Pope e reporter de obituarios do The Times - Picayune, de New Jersey. Seu papel, portanto, e falar da morte e dos mortos. Dos doentes as vezes. De suas familias e de tudo os que os rodeia. Temazinho danado, a barreira entre o informativo e o grosseiro-cliche, nesse tipo de materia, e tenue e invisivel. Questao de pura sensibilidade. Pelo menos eu acho.
Aconteceu que John Pope apareceu na minha aula de reportagem, na ultima quinta, pra falar de seu trabalho, meter o bedelho no nosso e dar as dicas que se espera que um premiado da Pulitzer possa dar.
Nas fotocopias de materias que John Pope trouxe eu via um bom trabalho. Por exemplo. Esse cara acompanhou os ultimos meses de vida de um doente de Aids em 1986, e o perfil que escreveu depois de sua morte comeca com essas aspas: "Eu sou um paciente de aids, nao uma vitima da aids". Num tempo em que o preconceito era grande, os remedios eram paliativos da dor, a materia tem imagens e frases fortes.
Engano meu.
John Pope, no alto de seus dois metros de altura (ele ainda fica mais alto por causa do nariz empinado que tem), enquanto discursava sobre suas aventuras em sala de cirurgias e necroterios (o "super-reporter"), deixou escapar (ou declarou de cara lavada mesmo) que costuma entrevistar os familiares de doentes terminais antes mesmo de sua morte.
Olha, eu ja ouvi muito absurdo nessas aulas de jornalismo daqui. Mas so pra confirmar se era isso mesmo, dessa vez, resolvi abrir minha boca. Segue o dialogo, escrito de cabeca 2 dias depois, mas e assim que eu lembro.

**Daniela: "Mas entao voce entrevista as pessoas antes do fato acontecer?"
John Pope: "Sim, e dificil encontrar todas as pessoas importantes pra materia depois de um fato como esse, entao se e um doente terminal eu costumo entrevista-las antes".
Daniela ja sacando que a resposta nao era boa: "Mas voce avisa isso pro leitor, entao?"
John Pope, ja sacando que ia ser pressionado: "E que diferenca isso faz?"
Daniela, indignada: "Mas por exemplo, essas aspas da mae do paciente de aids, dizendo que ela estava tranquila em relacao a morte do filho, voce pode ter apurado isso antes da morte? Mas e se quando realmente aconteceu ela se desesperou? Voce nao sabe?"
John Pope, aproveitando o momento de brilhar: "E que diferenca isso faz? As vezes voce escreve uma coisa e corre o risco de publicar o que nao e mais, mas tem que se precaver".
Daniela, de cara no chao: "Entao e como ligar pra alguem e dizer 'Ei, qual vai ser a sua declaracao quando seu filho morrer?'"
John Pope, colocando-me no meu lugar de estudante boba: "Bem vinda ao mundo, querida".

*** Que mundo e esse de que ele ta falando? Se ele me fala "bem vinda", e porque eu ja to dentro? Da pra sair ainda? Da pra ficar dentro e mostrar a lingua pra gente como ele? Chorei por causa do tal do John Pope. E deixei de ser jornalista pra sempre durante umas duas horas, de tanta raiva.

Tuesday, April 05, 2005

Aproveitando pra revisar a materia

*Faz falta por aqui um certo clima de contestacao que existia na Casper, na USP, nos meus grupos de amigos e mesmo em casa. Ta certo, muitas vezes me irritei com os exageros do movimento estudantil e com a mania de perseguicao do CA casperiano. Mas e muito bom viver com gente que quer mudar; mudar o mundo, mudar-se ou pelo menos remexer um pouquinho as coisas.
E logo eu, que vibrava ao ver minha vo de mais de 80 anos xingar o Fernando Henrique no jornal nacional, vim parar na terra do "ta bom pra mim ta bom, ta muito bom"... nhe... Mas nao vou reclamar no post de hoje nao, vou falar de uma coisa boa daqui.

*3:30 da tarde, tercas e quintas, aula de Politicas de Direitos Iguais. Metade dessa classe se diz conservadora, metade se diz liberal. De tempos em tempos, a discussao esquenta, meu ingles sofre pra acompanhar, mas da ate gosto de ter vindo pra ca ouvir.
A professora e esperta a beca. Nunca usa um termo descabido. No vocabulario e na atitude, parece isenta de qualquer juizo que nao seja o cientifico - o essencial pra falar de minorias sociais num terreno em que, qualquer deslize, provoca um briga danada na sala.
Hoje nao teve muita discordancia. O texto sobre direitos dos homossexuais talvez tenha sugerido a banda conservadora que ficasse em casa, e metade da sala nao apareceu (perderam, bobocas).
Ok, isso que eu aprendi e sobre a Nova Zelandia, mas conhecimento e sempre bom e bom de compartilhar.

*** O foco da coisa era a descriminalizacao da homossexualidade na Nova Zelandia, que so aconteceu (pasmei, nessa) no ano em que eu nasci. Nao faco ideia de como e no Brasil, mas nos paises que herdaram uma tal de Common Law, la da terra da Elizabeth, a relacao entre homens ou entre um homem e um garoto era descrita pela lei com essa sutileza: "malignidade mais profunda que um estupro", "desgraca da humanidade", "crime que nem deve ser nomeado". Ou seja, ate o meio da decada de 80, era como se a lei dissesse "Estupra, mata, mas nao seja gay" (conseguiu ser pior que a do Maluf, essa).
Nao vou ser muito detalhista pra contar que a homossexualidade por la foi descriminalizada. So fiquei pensando em uma coisa.
Eu aqui, pasma com o quanto demorou pra isso acontecer, mas quantas vezes eu ouvi alguem falar "quero que meu filho seja ladrao, mas nao seja gay"? Po, a lei la na Nova Zelandia esta ate adiantada demais, entao! Nao e incrivel que nossa sociedade nao aceite uma coisa que e estatisticamente normal? E olha que o primeiro a chegar a essa conclusao cientifica morreu em 1956... Somos o que, afinal? Ignorantes, cegos, medrosos ou burros?

**** Se um filho meu ou uma filha minha me falasse "Sou gay", eu ia, sim, ficar triste. Porque sei que ele ou ela ia sofrer o preconceito avassalador da nossa sociedade, e nao ia poder constituir uma familia se assim o quisesse - ver filho sofrendo contrariado nao deve ser muito legal.
Isso nao precisava ser assim se o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse permitido, bem como se a um casal homossexual fosse dado o direito da adocao. Ou seja, se simplesmente passassemos a descomplicar o que e matematicamente normal.
Entao, eu nao digo que eu nao quero que meu filho seja gay. Eu nao quero e que sejamos tao idiotas em relacao a isso. E ou nao e?

*****Comentem, eu fiquei chupando o dedo na sala porque nao consegui pensar isso em ingles. Voces sao minha ultima esperanca! :(

Monday, April 04, 2005

O Papa embarcou

*So pra incluir mais um na conta de que "a teve, o jornal e a internet so falam disso", esse blog tambem publica hoje um singelo post sobre a morte do Karol.
Antes de tudo, nem venham com conversinha sobre meu titulo grosseiro. Leiam editorchefe.flogbrasil.com.br e deem uma olhada no que a midia andou fazendo por ai. Eu ainda fiz o favor de esperar o papa morrer, a coisa esquentar bastante, e so depois comecar a copiar a noticia dos outros. Teve muita gente que nem isso fez.
Entao, aquilo que todo ser humano espera desde que nasce aconteceu com o papa. Pergunto eu: e motivo pra tanto bafafa, tanto excesso de noticia, e principalmente, pra tanta pieguice cliche e tanto mal gosto generalizado e tanta falta de nocao?
Ta bom, eu nao fumei nada demais, eu tenho nocao que a morte do papa e noticia, alias, e uma puta noticia. Mas nao so porque nos, catolicos, perdemos um "grande pastor", "o mundo chora pelo papa" e "la se vai um pacifista". E sim porque o chefe da Igreja Catolica, talvez a maior instituicao politica do mundo, esta morto, e chegou a hora de comecar toda aquela politicagem pra colocar alguem no lugar. Quer ver como funciona?
O papa Karol veio de uma nacao vermelha, "mas era anti-comunista". Essa foi a primeira coisa que o padre tratou de esclarecer ontem, na missa aqui no Texas. Parece ou nao ocasionalmente oportuna pra uma certa metade do mundo a eleicao desse papa?
Sim, ouvi isso na missa porque eu vou na igreja catolica todos os domingos. Mas nem por isso vou me abster de criticar as coisas que eu sei que estao muito, muito erradas por la. A igreja e uma instituicao de homens, falhos, como eu e como qualquer leitor desse blog. Crer em deus tambem e saber que homens tem livre arbitrio pra fazer muita bobagem. Fechar os olhos pra tudo isso, pra mim, e que e a grande heresia.
Li os posts de uma comunidade do Orkut chamada "Eu amo a igreja catolica como ela e". E da pra amar a igreja catolica como ela e? Da pra amar qualquer coisa desse mundinho do jeitinho exato que ela e? Por mais que voce nao se irrite com o fato de que o papa Karol foi aquele que baniu a Teologia da Libertacao da America Latina, porque esse negocio de revolucao nao e mesmo a sua praia, voce pode concordar com o fato da igreja proteger descaradamente os padres acusados de pedofilia?
Lendo o orkut, os blogs, as noticias (ah, as noticias), tenho a plena sensacao de que estamos todos perdidos.
Ah, ja sei porque. "Esta na Biblia que, quando um papa morre, as portas do ceu e do inferno ficam abertas por nove dias. Portanto, essa semana havera anjos e demonios perambulando por ai", alguem me disse no MSN. Soa meio atemporal isso estar na Biblia, mas torna super plausivel a confusao mental que toma conta de nos por esses dias. De todos nos, porque eu tambem estou me sentindo muito confusa.

** Se eu exagerei, se eu fiz o que todo mundo fez ao inves de fazer o contrario, foi mal. To revoltada. Com o jornalismo, com a internet, com a sociedade, com a Igreja Catolica, comigo... Nao sei se sou eu que estou complicando o mundo, se e o mundo que esta me complicando ou se trocadilhos infames sao mesmo ridiculos. E quero discutir.